sábado, 30 de abril de 2016

Corte, costura e o caralho!

 
O fim do mundo começa hoje, daqui a 50 metros, daqui a 50 votações das famílias mais lembradas por seus membros que ocupam (ou invadem, considerando que a ideia de ocupação está ligada a uma função social) cargos no Congresso Nacional. Nepotismo é proibido por lei no Brasil, mas benefícios indiretos a parentes, mesmo não correspondendo ao exercício de função pública (contrariando na verdade) não é pecado do lado de baixo do Equador (nem do lado de cima). Pecado mesmo é uma mulher lutar em defesa do aborto legal e em defesa da igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Estudo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos publicado em março revelou que o número de mulheres que fazem doutorado no exterior ultrapassa o de homens, mas elas ocupam menos posições de direção, o que resulta em menores salários. Nenhuma delas deve ser bela, recatada e do lar, porque se assim fossem não precisariam se preocupar com a posição que ocupam, já que ocupariam o cargo de mulher de alguma figura masculina (ou seriam, como diria Rubén Blades, uma pareja plastica). Alguém sabe dizer sem fazer esforço o nome da mulher do Temer? Até os progressistas a chamam dessa forma para criticar a atroz - e atrás, no quesito evolução dos direitos das mulheres - reportagem da revista Veja (e seu complemento subliminar "apenas a verdade que fabricamos"). Assim como Simone de Beauvoir que, mesmo não sendo bela, recatada e do lar (era só inteligente, coitada!) nunca escapou de ser a mulher de Sartre. O ponto de referência é quase sempre um homem, da mesma forma que o ponto de referência de boa parte dos problemas no Brasil é a urgente necessidade de reforma do sistema político previsto na Constituição Federal, que permite o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas e que promove a eleição de um candidato com apenas 3 votos entre 10 que o beneficiam indiretamente. Conquistamos com muito esforço a democracia e agora a entregamos à curadoria do google e do facebook - desde que você pague um plano de internet fixa que permite muito pouco acesso a conteúdos, conforme novo modelo da Vivo e outras (in)operadoras de telefonia - com suas realidades virtuais, não por estarem no ciberespaço, mas por destacarem apenas a parte que mantém o poder dos grandes grupos empresariais. A grande família global (a palavra fica livre à interpretação do leitor). E para respeitar a separação dos Poderes, se o Poder Legislativo protege a tradição e a família (que no projeto do Estatuto da Família aprovado na Câmara dos Deputados considera apenas o grupo formado por homem, mulher e filhos - nem mais, nem menos, nem diferentes integrantes), o Poder Judiciário protege a propriedade (mas não sua função social). O progresso (para trás) é tanto que logo mais teremos um novo acordo MEC-USAID, com o retorno das aulas de educação, moral e cívica nas escolas. Porque nesse modelo de sociedade o civismo não se relaciona com a cidadania, mas a bíblia (junto com a bala e o boi) direciona as decisões num Estado laico por definição constitucional, e mulheres só impedem a criação de uma comissão deliberativa sobre os direitos da mulher sem integrantes mulheres ocupando a cadeira do Presidente da Câmara dos Deputados, daqui a 50 metros, daqui a 50 dias, daqui a 50 anos, daqui a 50 golpes diuturnos na democracia...

Débora Aligieri


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